O depoimento
emocionante da cantora Daniela Mercury assumindo uma relação de amor com
uma mulher, a jornalista Malu Verçosa, no programa Fantástico, da rede
Globo, demonstra a coragem de uma pessoa forte que legitima seu amor
pela nova companheira e assume sua felicidade afirmando-se como ser
livre e assumindo ao país sua orientação sexual mas, acima de tudo, o
amor como propósito da expressão de liberdade e autonomia. Daniela
defendeu a igualdade e um posicionamento verdadeiro sobre seus
sentimentos.
Desde que a
cantora assumiu seu relacionamento com uma mulher, críticas foram
feitas, questionando-a sobre o fato de ter sido casada com Marco Scabia.
O ex-marido já se pronunciou e declarou torcer e apoiar Daniela neste
novo momento em sua vida, demonstrando não se incomodar com a
sexualidade da ex-mulher. O desejo bissexual da cantora ainda é visto
com resistência e preconceito pela sociedade. O ator José de Abreu,
recentemente, declarou em sua página do twitter: "Eu sou bissexual, e
daí? Posso escolher quem eu beijo? Quando quero beijar uma pessoa, não
peço atestado de preferência sexual, só depende de ela querer”. E
teoriza: "Tem dias que prefiro homens, tem dias que prefiro mulheres.
Tenho que mudar? Eu sou assim, ué. Tenho que ser igual aos outros?
Prefiro o que me dá prazer. E prefiro ter a preferência que deixá-la nas
mãos da natureza... Ou de Deus. Prefiro homens e mulheres que me
interessem sexualmente". As declarações defendem os homossexuais e
confrontam opiniões de políticos e o conservadorismo de religiosos.
O bissexual
muitas vezes é acusado de ser alguém com dúvida e de estar passando por
um momento de transição até confirmar sua homossexualidade. A
bissexualidade existe, sim, e é preciso reconhecer esta orientação
sexual. O desejo e a atração sexual são direcionados igualmente para
homens e mulheres. A identidade sexual é bem definida e não admite
estereótipos, ou seja, não é porque uma mulher está se relacionando com
uma mulher que ela seja, necessariamente, homossexual. O bissexual não é
um homossexual enrustido, mas uma pessoa que transita livremente no
sistema binário, homem ou mulher.
Desde cedo somos
exigidos a se relacionar com alguém do sexo oposto, portanto,
enquadrar-se numa heterossexualidade. Esta imposição denuncia que a
heterossexualidade é compulsória, assim como afirma Richard Miskolci,
professor do Departamento de Sociologia da UFSCAR (Universidade Federal
de São Carlos): "Todos têm essa possibilidade de se relacionar com o
mesmo sexo, mas, no processo de socialização, as pessoas podem perdê-la.
Desde crianças somos adestrados. Heterossexualidade não é algo natural,
hoje sabemos que ela é compulsória".
Existe um número
grande de pessoas que apresentam este desejo dualista, e resultado disso
são sites de encontros que propiciam a relação bissexual. Homens que
estão namorando com mulheres e se cadastram buscando relacionamentos com
homens. Muitos equívocos são atribuídos à bissexualidade, que é uma
expressão legítima do desejo. Acusados de promíscuos, de não conseguirem
ter uma relação monogâmica, os bissexuais podem ter relações duradouras
e fidelizadas. Promiscuidade é ter relações sexuais sem limites ou
critérios. É banalizar as relações amorosas e sexuais sem criar vínculos
e considerar as pessoas como um objeto de realização de prazer, em que
se dá mais valor à quantidade do que à qualidade. O bissexual pode
sentir-se atraído por ambos os sexos, mesmo que não coloque isso em
prática. "Há promíscuos e não promíscuos heterossexuais, bissexuais e
homossexuais. O indivíduo que realiza sua bissexualidade não pode ser
considerado promíscuo por esse comportamento exclusivamente", declara a
psiquiatra Carmita Abdo, fundadora e coordenadora do ProSex (Programa de
Estudos em Sexualidade da USP).
A igualdade entre
homens e mulheres cria intersecções cada vez maiores entre masculino e
feminino. As diferenças são destituídas a partir de um processo mútuo de
identificação. Com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, o
advento da pílula anticoncepcional, a liberdade sexual e o movimento
hippie, a bissexualidade é revelada. Na década de 50, Alfred Kinsey,
estudioso sobre sexualidade, criou uma escala que ia de 0 a 6, em que 0
era “exclusivamente heterossexual” e 6 “exclusivamente homossexual”. No
meio da tabela, o 3 representa “bissexual”. Segundo essa escala, 46%
dos entrevistados eram exclusivamente heterossexuais, 4% exclusivamente
homossexuais e 50% não se apresentavam exclusivamente nem homo nem
heterossexuais, mas bissexuais.
Freud concebia
uma “bissexualidade psíquica inata”, algo possível para o ser humano
tendo como base o desenvolvimento sexual das crianças, que
interiorizavam como referência os órgãos sexuais do pai e da mãe.
Segundo Jung, o ser humano possui uma bissexualidade psíquica herdada
pelas experiências raciais do homem com a mulher e da mulher com o
homem. Os conceitos de “Anima” (arquétipo feminino no homem) e “Animus”
(arquétipo masculino na mulher) são assim concebidos pelo teórico. Em
outras palavras, vivendo com mulheres através do tempo, o homem adquiriu
características femininas, e vivendo com homem a mulher tornou-se
masculinizada. Em sua psique, o ser humano é bissexual.
A identidade de
gênero, masculino ou feminino, pode ser definida pela sociedade, mas o
desejo e o prazer são mutáveis e alteráveis, logo, com o passar do
tempo, a orientação sexual pode mudar. Além de os papéis sociais ficarem
cada vez mais estreitos, hoje não existe mais a obrigação de manter as
normas sociais que determinam os aspectos sexuais. A bissexualidade
parece ser, definitivamente, uma realidade para todos.
Jornal do Brasil - Breno Rosostolato*
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